domingo, 16 de fevereiro de 2020

            PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA NA VIDA DOS SURDOS,                               PROCESSOS E RETROCESSOS
 
         
   Ser mãe de surdo e conviver com outros surdos me possibilitou observar as diferenças entre os surdos sobre várias perspectivas, não há de se colocar surdos em pacotes, criar regras de ensino padrão para todos eles é um fator prejudicial para muitos deles. É do conhecimento de muitos que existem leis que falam sobre o direito dos surdos terem LIBRAS como primeira língua desde o momento de descoberta da surdez, porém isso não acontece com muitos surdos por inúmeros fatores, vou elencar alguns abaixo:
- O choque da família ao descobrir a surdez e o luto vivido por essa família com a descoberta;
- Os caminhos escolhidos por essa família ao descobrir a surdez;
- A influência dos profissionais de saúde com relação ao ensino da libras ou a oralização dos surdos;
- A idade do surdo e o grau de surdez;
- Se nasceu surdo ou ficou surdo...
            Quando meu filho nasceu em 22 de abril de 2002, nasceu também o reconhecimento da LIBRAS como língua brasileira de sinais 2 dias depois em 24 de abril. O Nicolas foi diagnosticado como surdo aos 11 meses de vida, fez exames desde que nasceu e aos 5 meses deixou de responder aos estímulos sonoros, passou por baterias de exames até fechar o diagnóstico. Eu sou filha de surdo então a aceitação foi imediata, não passei pelo luto comum a muitas famílias, em minha família tive a oportunidade de conviver com muitos surdos, eram 16. Até o nascimento de meu filho eu nunca havia tido contato com Libras, usávamos sinais caseiros na comunicação familiar. Ao descobrir a surdez de meu filho comecei a levá-lo para acompanhamentos fonoaudiológicos e sempre me fora dito por inúmeros profissionais que não era para inserir libras na vida dele, que eu tinha que obrigá-lo a falar, como eu não acatei, diziam sempre que iam amarrar minhas mãos para eu parar de acenar para ele. Isso ocorreu até ele completar 5 anos e eu descobrir que ele só falava devido aos meus estímulos, tem essa historia em outro texto no BARULHÊNCIO. Enfim levando meu filho para os acompanhamentos tive a oportunidade de observar inúmeros surdos de idades diferentes, graus de surdez diferentes, por meio de observação e diálogos fui formando minha opinião. Optei por ensinar ao meu filho tudo que fosse possível para deixá-lo melhor preparado para sua inserção em uma sociedade majoritariamente ouvinte. Enfim hoje meu filho esta com quase dezoito anos e percebo que a prática de influenciar as famílias a não ter acesso a libras no primeiro momento persiste.
            Voltando ao que diz a lei, a lei 10.426/2002 regulamentada pelo decreto de nº5.626/2005 preconiza que o surdo tem direito a ter um interprete de libras em sala de aula, mas em descumprimento a lei alguns profissionais da saúde que deveriam de acordo com o o Art.25, inciso VIII do decreto informar a família sobre a surdez, suas implicações e a importância da libras na vida do surdo desde o seu nascimento, os mesmos prestam um desserviço e  induzem a família a não inserir a língua de sinais na vida dos surdos e muitos deles chegam a escola sem língua alguma, o surdo tem o interprete com as mãos atadas, o surdo passa a ter contato com duas línguas que não conhece, tal situação tem levado muitos surdos a se tornarem apenas copistas gerando a aprovação automática dos mesmos o que não lhes propicia condições de igualdade para que tenham uma inserção verdadeira na sociedade, eles tem seus direitos constitucionais feridos e muitos só percebem isso ao chegar a idade adulta quando buscam cursos superiores, vou postar abaixo o exemplo de um texto de um aluno do 5º período do curso de pedagogia me mandou por meio de whatsapp, vale ressaltar que o mesmo já concluiu uma formação em administração.




 



 
Texto que um surdo que vou chamar aqui de GUTO me mandou (vou preservar a identidade dele) ele me mandou o texto dizendo que a resposta dele estava errada a uma pergunta de seu curso. Percebi que ele só conhecia um contexto para a palavra "experiência". A pergunta era qual a sua experiência com pessoas com deficiência?
       Quando o mesmo me abordou, não tinha entendido que era um pedido de ajuda, achei que perguntava sobre minha experiência, assim que percebi disse a ele que o fato de ser surdo e ter convivido com outros surdos era a resposta pessoal dele. A história de vida dele, apenas hoje percebi sobre o contexto e a semântica da palavra significava para ele. Ao observar isso é impossível não fazer algumas perguntas:
- Até que ponto estão trabalhando libras escrita com os surdos como se fosse língua portuguesa?
- É benéfico o sistema S O V ?
- Não seria o momento de observar o papel do interprete no acompanhamento ao surdo?
- As salas de recurso funcionam?
- O que podemos fazer para mudar a situação?
- Não seria o momento propício para inserir conjugação de verbos, artigos com materiais bilíngues?

(material produzido por mim para explicar matérias ao meu filho)


        Eu alfabetizei meu filho surdo (ele tem surdez profunda/bilateral) por meio da libras, com materiais concretos, trabalhando oralidade por meio da boquinha e vibração, muita leitura visual, usava muito as revistas em quadrinho da turma da Mônica, depois letra a letra explicando que elas tinham som, sistema silábico, palavras e frases, trabalhei conjugação de verbos, ainda o corrijo muito quando se trata de gênero feminino e masculino, mas esta dando certo. Sei que não é algo fácil, mas se todos nos unirmos, se pararem as brigas entre surdos de nascença, surdos tardios, interpretes, surdos oralizados, se pararmos com a transferência de responsabilidade para os surdos, voltarmos o nosso olhar para a saúde onde nasce o problema, e começarmos a cobrar fiscalização e cumprimento da lei, será possível quebrar a barreira de comunicação, deixar os surdos mais preparados, vamos lutar por escolas bilíngues, vamos lutar para que libras seja inserida na grade curricular para todos, vamos adequar conteúdos, vamos parar de procurar culpados e corrigir as falhas tanto no sistema de saúde quanto no sistema educacional. Não tem como incluir sem parar de desviar o foco, sem a união de todos, inclusive a família. Família precisa aprender a língua dos seus!!! Enfim este texto é um convite a reflexão e a união para promover a transformação.   

 

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